Local: São Paulo - SP
Fonte: estado.com.br 

Inbrapi quer mudar a lei dos direitos autorais e ensinar as comunidades a preservar suas tradições.

Descontentes com a forma como a produção indígena pode ser reproduzida ou copiada no mercado cultural, sem necessidade de autorização ou pagamento de direitos autorais, pajés e militantes índios fundaram uma organização não-governamental para defender a propriedade intelectual tradicional - a primeira voltada para o tema. O Instituto Indígena Brasileiro da Propriedade Intelectual (Inbrapi) pretende ensinar as comunidades a preservar seus conhecimentos e tentar uma mudança na lei de direitos autorais.

"A lei reconhece apenas o autor individual, que fez uma obra e tem direitos sobre ela. O que é coletivo é considerado de domínio público. Queremos que a lei reconheça essa produção como sendo de uma comunidade", afirma o filósofo e escritor Daniel Munduruku, presidente da ONG. Ele explica que o conceito de propriedade intelectual engloba danças, músicas, narrativas, grafismos, artesanatos e todo o conhecimento no uso de plantas e ervas transmitido entre as gerações.

"É comum aparecerem pessoas nas aldeias que gravam as músicas, copiam as histórias e depois lançam isso no mercado, ficando com todo o crédito. Indústrias também copiam a extração de um planta e não dizem que veio de um saber tradicional. A idéia não é impedir a divulgação, mas dar aos índios um controle sobre o uso que é feito dela", explica Marcos Terena, conselheiro da entidade e articulador do grupo sobre povos indígenas das Nações Unidas.

Com sedes em São Paulo e Brasília, a ONG já fez palestras em várias aldeias. Atualmente, organiza um levantamento de tudo o que já foi retirado de comunidades e lançado no mercado.

Outro foco de atuação, explica Munduruku, está na orientação dos novos autores indígenas - jovens que aprenderam a leitura e a escrita e estão começando a registrar mitos e histórias de suas comunidades. "Eles escrevem, mas não sabem fazer contratos, lidar com editoras, com o mercado. Pretendemos fazer essa intermediação para ajudá-los." Interpretação - O debate é novo na sociedade e não está contemplado na legislação, afirma o advogado do Instituto Socioambiental Raul da Silva Telles do Valle, autor do livro Os Povos Indígenas Frente ao Direito Autoral e de Imagens. Ele defende, porém, que não seria preciso uma mudança na lei, mas a construção de uma doutrina e de estudos alertando para essa questão. "É possível com a lei atual garantir esses direitos, mas essa interpretação nunca foi feita. Toda a jurisprudência é sobre direitos individuais. No caso dos indígenas, trata-se de reconhecer o direito de uma autoria coletiva sem titularidade", diz.

Enquanto isso, em meio ao vazio legal, alguns artistas e pesquisadores desenvolveram por conta própria uma forma de retribuição. A fotógrafa Cláudia Andujar, que desde a década de 70 registra os ianomâmis, faz questão de repassar 50% do que recebe com o material para a comunidade. "Faço por uma questão de respeito". Essa visão é compartilhada pela antropóloga Betty Mindlin, autora de cinco livros sobre mitos indígenas. "Mesmo a lei considerando essas narrativas de domínio público, considero que são propriedade deles."

Simone Iwasso

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